Certamente, ao ler o título “O futuro do trabalho: Fadiga e ócio na sociedade pós-industrial”, mil coisas podem vir à sua mente. Será que haverão ali receitas milagrosas para ganhar dinheiro sem muito esforço, ou então sobre o que virá em seguida, após o trabalho como conhecemos? Será que o autor que, neste caso é o sociólogo italiano Domenico De Masi sabe como transformar o hoje chamamos de trabalho e emprego em algo que não seja tão penoso para nós, trabalhadores? Devagar com o andor, diriam os mais antigos. Não existe um passo a passo prontinho e que dará certo já na primeira implementação. Por outro lado, o autor provoca uma série de questionamentos, críticas e reflexões que sim, podem levar a uma possível e eventual (e por que não dizer, necessária) mudança de paradigma.
De fato, as dúvidas são muitas: o que será de nós amanha? Pergunta-se com freqüência. O trabalho pode deixar de ser uma tortura e passar a fazer parte da vida e dos anseios de cada pessoa. Estarei empregado? Até que ponto isso é, de fato, relevante para minha sobrevivência nos dias de hoje?
A sinopse oficial traz:
A tese de Domenico De Masi é simples e revolucionária – graças às novas tecnologias, vivemos na sociedade pós-industrial, uma sociedade em que “conhecer” conta até mais do que “fazer”, desenvolve melhor o seu trabalho quem cultiva outros interesses, e passar o dia no escritório pode representar uma perda de tempo. Para De Masi, não nos damos conta disso e continuamos a trabalhar do mesmo modo de cem anos atrás; seríamos muito mais felizes e serenos se tentássemos adequar os nossos comportamentos às regras da sociedade pós-industrial, integrando na nossa vida o ócio e o trabalho, de modo a criar uma única e satisfatória continuidade. Este livro, ao mesmo tempo leve e profundo, tem o objetivo de mostrar o caminho que poderá levar a um futuro mais feliz.
A obra lançada originalmente em 1999, apresenta pontos cruciais para explicação das investigações de De Masi – e elas são muitas e bastante profundas, por sinal. Dentro de suas críticas abordadas pelo autor, é abordada a estrutura atual do processo do trabalho, da forma como o conhecemos, onde mesmo com as máquinas, ferramentas e todo arsenal tecnológico que temos disponíveis, mesmo hoje, se trabalha e produz com nas fábricas do século XIX. O autor aponta que espaços onde o tempo é contado e as pessoas são introduzidas à infelicidade por conta dos aspectos ligados à burocracia, quanto ao local de trabalho, das excessivas e opressoras metas ligadas à competitividade e quanto ao medo.
O autor, a todo momento, questiona o trabalho como hoje é vivido e com questionamentos sobre como o mercado de trabalho está obsoleto. Em suma: o que hoje se considera correto, De Masi classifica como arcaico e retrógrado: horas a mais horas de trabalho a fio, sem descanso, se esquecendo da própria vida humana e do convívio com as pessoas que estão em torno de nós. Ele fala das dificuldades do trabalho e como este trabalhador passa horas e mais horas em seu escritório, preso, como um animal, sempre atrás de todas as oportunidades para ‘não ser engolido’. Trata também da concorrência e como ela corrompe o trabalhador, fazendo com que ele se esqueça de que é um ser humano.
De Masi aponta que o trabalhador está tão preso em seu trabalho e que se utiliza pouco de sua criatividade, já que boa parte de suas atividades diárias são automáticas e que, logo, não se exige uma capacidade intelectual e criativa para tal.
O autor faz uma incrível jornada histórica pelo mundo do trabalho, desde o seu início até os dias de hoje, expondo que muitos deixaram de viver nos campos e passaram a ocupar ou ambicionar um lugar na cidade. O livro aborda também conceitos como servidão e escravidão, que por muito tempo foram os motores dos processos produtivos.
O livro também descreve o Trabalho e Vida na Sociedade Industrial, mostrando a ruptura com os processos anteriores e os ganhos causados pelo processo industrial. De Masi analisa a globalização como fenômeno e tenta também explicar como viver esta difícil mudança de encarar uma nova sociedade a pós industrial. Ele busca ainda desencantar o conceito de trabalho, e valorizar assim o ócio.
O autor também enfatiza a importância do trabalho solidário, do trabalhar em qualquer parte, menos e ficar mais ocioso. De Masi prega a coragem de recomeçar, a partir de novos paradigmas, alicerceados na evolução tecnológica e por condicionantes sociais como a miséria e exclusão de pessoas e dos processos produtivos.
Alguns trechos interessantes:
Por milhares de anos, até o advento da indústria, os que ocupavam o alto da pirâmide social – os aristocratas, os proprietários de terras, os intelectuais – na verdade não trabalhavam. Não era do trabalho que obtinham riqueza e prestígio, mas do nome de família, da proteção às artes e letras e de rendas. Hoje, entretanto, um empresário, administrador ou diretor geral trabalham muito mais horas do que um operário ou empregado. Em suma, antigamente, quanto mais rica, menos a pessoa trabalhava, podendo dedicar-se a si, à família e aos amigos; hoje, entretanto, quanto mais rico, mais o homem trabalha, descuidando de si e dos outros. O trabalho passou de castigo a privilégio.
O mercado de trabalho é implacável: num dos pratos da balança vão se empilhando os desocupados à cata de emprego; do outro prato vão sumindo os postos de trabalho disponíveis. As pessoas em busca de trabalho aumentam por uma dezena de bons motivos: cresce a população global do planeta; aumentam as pessoas escolarizadas que querem ver frutificar o sacrifício investido no estudo; continua o êxodo dos camponeses para as cidades; também as massas assoladas do Terceiro Mundo querem trabalhar e, se não encontram trabalho em suas pátrias, vão procurá-lo no Primeiro Mundo; as mulheres, no passado excluídas das ocupações remuneradas, também querem trabalhar; querem trabalhar, também, muitos deficientes, com a ajuda de novas próteses; querem trabalhar, ainda, os anciãos, uma vez que a vida se prolongou e os deixa com boa saúde até poucos meses antes de morrer.
O tempo sem trabalho ocupa um espaço cada vez mais central na vida humana. É preciso, então, reprojetar a família, a escola, a vida, em função não só do trabalho mas também do tempo livre, de modo que ele não degenere em dissipação e agressividade mas se resolva em convivência pacífica e ócio criativo. É preciso criar uma nova condição existencial em que estudo, trabalho, tempo livre e atividades voluntárias cada vez mais se entrelacem e se potencializem reciprocamente. Uma reprojeção similar envolve a cultura ideal, material e social. Requer por isso um ambicioso plano de reeducação e um amplo pacto social que objetive a redistribuição mais justa do trabalho, da riqueza, do saber e do poder.
As sedes empresariais de cimento e vidro, nuas e modulares como penitenciárias desenhadas para a vigilância e punição, foram deslocadas para zonas cada vez mais periféricas e desertas. Onde antes eram as fábricas, agora, com mínimos retoques arquitetônicos, são instalados escritórios que lhes repetem a antiga tristeza, sem conservar a vitalidade.
A fábrica é lugar de esforço, dedicado exclusivamente, de forma capilar e maníaca, ao trabalho subordinado. “Você não é pago para pensar, mas para trabalhar”, teria dito Taylor drasticamente a um operário que ousava se organizar segundo a própria cabeça. Assim, o trabalho – que até o século XVIII ocupava um espaço circunscrito à vida e à mente humanas – transforma-se, com a expansão da industrialização, numa categoria hegemônica, capaz de imprimir toda a vida do indivíduo, do nascimento à morte. Até quando faz amor não é o operário que ama, é a máquina que ama por ele, como observa ironicamente Jean Paul Sartre.
…consigo identificar a semente da felicidade apenas no trabalho criativo e no tempo livre: por isso, cultivo a hipótese de que o ócio, na sociedade pós-industrial, possa vir a ser tão importante, pelo menos, quanto o trabalho e que logo acabe por fazer o mesmo que ele, ambos assumindo as feições do jogo.
Domenico De Masi nasceu em Rotello, Itália, em 1 de fevereiro de 1938. É sociólogo e tornou-se famoso pelo conceito de “ócio criativo”. Segundo De Masi, o ócio, longe de ser negativo, é um fator que estimula a criatividade pessoal.