Publicado em 2019, “A mercadoria mais preciosa: Uma fábula” de Jean-Claude Grumberg, pode ser facilmente descrito como um conto admirável e perturbador sobre o Holocausto, sendo destinado a leitores de todas as idades, o que é ainda mais curioso. Sofrível, doloroso e ao mesmo tempo singelo e belo ao contar algo tão lamentável da história humana de uma forma que pode ser claramente percebida pelo grande público, o livro impressiona pela maneira delicada com que trata um tema tão complexo e triste. Mesmo sendo singelo ao narrar as atrocidades daquela época, é preciso ter estômago forte em certas partes do filme. O estômago irá embrulhar, acredite. Apesar do enredo em tom de fábula ser contado como uma ficção histórica, vamos deixar claro que tais acontecimentos passaram longe da ficção, bastando estudar um pouquinho para se concluir isso.
A trama nos apresenta um casal de lenhadores observa, diariamente, comboios atulhados de gente passarem diante de seus olhos. Ingênua, a mulher sempre espera por um aceno ou mesmo um presente. Para onde vão essas pessoas?, ela se pergunta. Até que alguém joga o presente que ela jamais pensou receber: um bebê. Neste breve relato, o autor, à maneira das fábulas, fala de um dos capítulos mais tenebrosos da história da humanidade: a deportação de milhões de judeus para os campos de concentração nazistas.
Já começando a obra que também é bastante curta, nos deparamos com a seguinte ‘introdução’:
“Era uma vez, num grande bosque, uma pobre lenhadora e um pobre lenhador.Não não não não, sossegue, não é O Pequeno Polegar! De jeito nenhum. Eu mesmo, assim como você, detesto essa história ridícula. Onde e quando já se viu pais abandonarem os filhos porque não podem alimentá-los? Ora essa…”
Alguns outros trechos e frases interessantes encontradas durante a obra:
Em muitas fábulas, e estamos de fato numa fábula, encontra-se um bosque. E nesse bosque, um espaço mais denso que ao redor, no qual só se penetra com dificuldade, um espaço selvagem e discreto, protegido dos intrusos por sua própria vegetação. Um lugar retirado onde nem homem, nem deus, nem bicho entra sem tremer. No vasto bosque onde pobre lenhador e pobre lenhadora tentam subsistir, existe um lugar desses, ali onde as árvores crescem mais cerradas e mais frondosas. Um lugar que o machado dos lenhadores respeita e onde não se descobre o traçado de nenhuma trilha. Uma floresta densa por onde a gente só se esgueira em silêncio. As crianças, é claro, não têm autorização de ir lá. E até seus pais temem pôr os pés ali e se perderem…
No peito de pobre lenhadora, ali onde descansa, embalada pela corrida, sua mercadoriazinha tão amada, ali, em seu peito ofegante, seu coração bate bate e bate, e depois de repente se contorce. A dor lhe corta as pernas, arranca seu fôlego. Ela sabe, ela sente que os caçadores de sem-coração já estão atrás dela para lhe arrancar sua mercadoriazinha querida.
Os dias se sucederam aos dias, os trens aos trens. Em seus vagões chumbados, agonizava a humanidade. E a humanidade fingia ignorá-lo. Os trens provenientes de todas as capitais do continente conquistado passavam e repassavam, mas pobre lenhadora já não os via. Eles passaram e repassaram, noite e dia, dia e noite, na indiferença total. Ninguém ouviu os gritos dos comboiados, os soluços das mães misturando-se aos estertores dos velhos, às orações dos crédulos, aos gemidos e aos gritos de terror das crianças separadas dos pais já entregues ao gás.
O amor que faz com que, apesar de tudo o que existe, e de tudo o que não existe, o amor que faz com que a vida continue.
Jean-Claude Grumberg nasceu em Paris, em 1939. Autor de mais de trinta peças teatrais, é também roteirista de cinema (François Truffaut, Costa-Gavras) e de tv.