Facilmente identificada como uma leitura interessante, coerente e bem acessível àqueles que nada sabem sobre filosofia, “Filosofia Diretamente” de Desidério Murcho foi sucesso de vendas em Portugal, com mais de 20 mil exemplares vendidos. Por aqui, lançado em 2012, a obra segue o modelo de outros livros de introdução à filosofia.
Sem citações, sem menção à autores, em linguagem clara e bastante direta, traz argumentos que norteiam as grandes questões da filosofia de forma coerente e bem precisa.
Um trecho da apresentação do livro destaca o enfoque do livro:
Este livro é uma apresentação da filosofia, e da sua relevância, a quem pouco ou nada conhece desta área. Sem academismos, de uma maneira simples e direta, o autor ensina pelo exemplo a refletir sobre problemas filosóficos de áreas tão diferentes quanto a ética e filosofia política, a metafísica e a lógica. É um livro para quem quer aprender a pensar seriamente e de maneira filosófica, mas que não deseja ler um livro escolar nem acadêmico. Entre os temas abordados contam-se a justificação da democracia, o paternalismo político e a liberdade, a moral e os seus fundamentos, por que há algo em vez de nada, o sentido da vida e a natureza do raciocínio.
O livro traz 9 tópicos principais separados por capítulos, a saber: democracia, liberdade, autonomia, valor, sentido, realidade, contingência, raciocínio e verdade.
Este trecho do prefácio deixa bem claro o que o leitor terá a seguir:
Este livro discute alguns problemas filosóficos, de um modo peculiar. Não é um livro escolar, e não tem por isso um tom didático. Também não é um livro acadêmico, e por isso não tem inúmeras referências bibliográficas ao longo do texto, nem referências a figuras históricas ou a autores contemporâneos (apesar de no final sugerir algumas leituras). O objetivo principal é fazer o leitor assistir diretamente, pela força do exemplo e sem mediações históricas nem academismos, ao raciocínio filosófico intenso. Assim, não se encontra aqui qualquer informação sobre o que pensam os grandes filósofos, antigos ou contemporâneos.
Algumas passagens interessante e que merecem destaque:
Quando entramos num avião, não votamos no piloto. Não controlamos as suas competências. Outras pessoas e instituições fazem isso por nós. Todavia, os pilotos de aviões são muitíssimo mais competentes, a ajuizar pelos erros que cometem, do que os governantes. Fossem aqueles como estes e todos os dias cairiam aviões. O raciocínio que desenvolvemos até agora ainda não respondeu a este aspecto. Por que não fazer com a governação algo semelhante ao que fazemos no caso da pilotagem de aviões? A ideia de ter governantes com o mesmo grau de profissionalismo e competência que temos noutras áreas é atraente. O problema é que não sabemos bem como poderíamos fazer tal coisa. Teriam os governantes de ser doutores em governação? Mas, nesse caso, como poderíamos garantir que esses doutorados teriam a qualidade necessária para garantir a competência dos governantes?
Dependemos, pois, uns dos outros: não somos autônomos no sentido da completa independência de outros seres humanos. Dependemos de quem sabe o que não sabemos, e trocamos esses conhecimentos pelo que sabemos e essas pessoas não sabem. Vivemos numa rede de interdependências cognitivas. O que está em causa não é apenas o fato de sermos mamíferos, precisando de laços afetivos e emocionais com outras pessoas para nos sentirmos bem. O que está em causa é também uma questão cognitiva: nenhum de nós poderia ter uma vida boa sem usar o que vários dos nossos semelhantes sabem e que nós não sabemos.
Quando nos perguntamos pelo sentido da vida, estas duas acepções são importantes. Por um lado, parece que a vida precisa de um propósito para fazer sentido. Por outro, é preciso que seja possível desenvolver atividades que permitam alcançar esse propósito — caso contrário, as diversas atividades da nossa vida não fazem sentido, precisamente porque não são meios adequados para se alcançar o propósito almejado. Imagine-se que o propósito da nossa vida era, por alguma razão, visitar a Grécia da Antiguidade. Neste caso, a vida da maior parte das pessoas não faria qualquer sentido, pois não inclui atividades que nos permitam aproximar-nos desse propósito; só as atividades que permitissem desenvolver máquinas do tempo, por exemplo, fariam sentido.
Como sabemos nós da realidade? Pensemos no caso visual: sei que estou perante uma árvore porque olho e vejo. Só que muitas vezes me engano, porque sou falível: parecia uma árvore, e afinal era um poste. Isto significa que inferimos, da nossa impressão visual, que estamos perante uma árvore. E é esta inferência que pode estar errada. Pior: não há maneiras de garantir que não nos enganamos. Não somos deuses infalíveis: somos animais falíveis.
Se você ficou curioso com o tema e quer conhecer um pouco mais do trabalho deste autor, sugiro ver esta entrevista sobre filosofia com Desidério Murcho, responsável por esta obra.
Desidério Murcho nasceu em 1965. É licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Filosofia da Linguagem e da Consciência pela mesma faculdade, é um filósofo, professor e escritor português. Enquanto professor, leciona na Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais, no Brasil e enquanto escritor encontramos títulos de sua autoria como: Pensar Outra Vez: A Natureza da Filosofia e o seu Ensino (2002), Filosofia, Valor e Verdade (2006), Sete Ideias Filosóficas Que Toda a Gente Deveria de Conhecer (2011) e Lógica Elementar (2019).